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A Fedra de Fernanda Montenegro

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Um dos espetáculos de maior repercussão da carreira de Fernanda Montenegro foi Fedra, texto de Jean Racine, traduzido por Millôr Fernandes, com direção de Augusto Boal. Cartas do acervo deste diretor no Cedoc da Funarte mostram que Boal, que estava em Paris, planejou seu retorno ao Brasil com o objetivo de montar esse espetáculo com o casal Fernanda Montenegro e Fernando Torres. Ele menciona que se planejaria de acordo com a agenda de Fedra. Em entrevista sobre os valores morais abordados na peça, Boal fala de Teseu como alguém que impõe uma moral rígida, sob a qual nem ele mesmo se submete. “Nas tiranias isso sempre existe… Disso deriva o núcleo da obra: de que modo você, como ser humano, pode conviver com os outros?”, pondera.

Diferente da tradução anterior, feita por José Oiticica, na versão de Millôr optou-se por uma linguagem mais acessível. Nos arquivos da Funarte é possível encontrar também essa nova adaptação, com marcações à caneta, em uma revisão final entre Millôr, diretor e atores. Com a pontuação cênica de Fernando Torres, o texto adquiriu também tom mais crítico.

Pelo elenco dessa versão de Fedra, produzida pela empresa Fernando Torres Diversões, passaram: Bete Erthal, Edson Celulari, Giulia Gam, Jacqueline Lawrence, Joyce de Oliveira, Sebastião Vasconcelos, Wanda Kosmo, Cássia Kiss, Jonas Mello, Linneu Dias e Fernando Torres. Cenário e figurino ficaram por conta de Helio Eichbauer.

Anotações pessoais de Fernando Torres sobre a temporada no Rio de Janeiro, nesta galeria de imagens, dão uma ideia de como foi montada a equipe: com dez atores, iluminador, diretor de cena, camareira, sonoplasta, secretário e um administrador. Outro documento da galeria de fotos, datado de março de 1987, conta que o Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos do Estado de São Paulo (Sated/SP) encaminhou a Fernanda e Fernando um manifesto contra censura e pediu a leitura deste no palco.

A narrativa do teatro clássico francês, datada de 1677, trata da paixão de uma mulher com fim trágico, tanto para ela quanto para o amado inocente. A peça acabou resultando em uma discussão sobre o papel da mulher e de seus desejos na sociedade brasileira dos anos 1980, três séculos após o texto original. O espetáculo levantou questões sobre a sexualidade feminina e a consequencia disso em seu papel social, como mãe, esposa, cidadã, em uma sociedade em que seus sentimentos afetavam a moral e o destino, inclusive, da sua descendência. Um grande desafio, mesmo para uma atriz já consagrada como Fernanda.

A postura de Fernanda Montenegro, indo além de uma leitura superficial e óbvia, fica evidente ao observarmos suas anotações feitas à caneta, enquanto estudava as falas, como mostra o documento do acervo pessoal da atriz doado à Funarte. Em um pequeno pedaço de papel, ela anotou: “Estudando essa personagem, vejo Fedra tão próxima, tão contemporânea. Há uma dualidade feminina frente ao mundo masculino. Mais do que nunca, as mulheres, certamente conduzidas por Vênus, discutem, esclarecem, reconduzem. Fedra é o mito da insurreição feminina”.

O mito conta que Fedra já descende de uma mãe condenada por ter cedido aos encantos apresentados por Vênus. Assim, casada com o poderoso Teseu e predestinada aos maus tratos, ela também acaba envolvida pelos excessos da paixão. Encantada pela virilidade sem tirania do enteado Hipólito, vê-se apaixonada pelo jovem rapaz. Ele, no entanto, ama outra e não a corresponde.

Quando Teseu, o marido, volta de uma longa viagem, a ama de Fedra acusa Hipólito do “crime” de sedução. Como vingança, Teseu planeja com o “Deus dos Mares” a morte do próprio filho, pelas garras de um monstro marinho. Ao saber do assassinato do amado inocente, da injustiça da condenação, Fedra confessa sua paixão e comete suicídio. Não há um pedido de perdão, mas o desejo de libertar o amado, de livrá-lo da desonra pública.

Em fevereiro de 1986, o elenco de Fedra realizou ensaios abertos, cobrando 1/4 do valor do ingresso; à época, 25 mil cruzeiros. As apresentações ocorreram no Teatro de Arena, no Rio de Janeiro, inaugurado por Augusto Boal duas décadas antes. O espetáculo circulou por São Paulo, Taubaté, Recife, Salvador, Brasília, Belo Horizonte, Curitiba, Florianópolis, Rio de Janeiro, Porto Alegre, entre outras cidades, causando diferentes reações.

Em Recife, em outubro de 1986, no Teatro do Guararapes, muitos na plateia não compreenderam e saíram antes do fim, ou mesmo dormiram durante a apresentação. Já em Porto Alegre, a última temporada na capital gaúcha, por exemplo, foi encerrada com uma homenagem com uma chuva de flores.

Fedra foi encenada em vários países, por diferentes companhias, mas o trabalho estrelado por Fernanda Montenegro e Edson Celulari suscitou elogios em todo o mundo. Cartas do acervo da Funarte entre Augusto Boal e o Ministério de Cultura da França evidenciam que o espetáculo, inclusive, fez parte das comemorações do Ano França-Brasil, em 1986, obtendo muito sucesso.

Por Aline Veroneze
Revisão de Maria Cristina Martins e Pedro Paulo Malta

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