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Polícia enquadra Macalé durante Projeto Pixinguinha

Preso em Vitória, na turnê de 1978, músico só foi libertado após intervenção do ministro Ney Braga

Jards Macalé fez dupla com Moreira da Silva e não pôde evitar a prisão

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    • Poema da Rosa – Jards Macalé

    • Na Subida do Morro – Moreira da Silva

No início do Pixinguinha, quando a abertura política ainda estava embrionária, não havia jeito: todos os roteiros de espetáculos precisavam ser submetidos à censura. Era a praxe da época. Os artistas da música popular eram vistos com desconfiança pelas autoridades. “Em Belém, depois da apresentação, fui tomar uma cerveja no bar em frente ao teatro. Já quase chegando no hotel, um cara me chamou dizendo que era da Polícia Federal e que tinha acabado de assistir ao meu show ‘subversivo’. Respondi que estava participando de um projeto do Ministério da Educação, Cultura e do Desporto e falei, me referindo ao ministro: ‘Vá falar com seu chefe, o Ney Braga’ ”, conta o cantor Alceu Valença.

Apesar das hostilidades, os diretores daquele tempo não se lembram de interferências políticas que prejudicassem o projeto. “Nunca tivemos problemas maiores”, lembra Roberto Parreira, então presidente da Funarte. Um episódio, no entanto, tornou-se exceção e ocorreu após o show de Jards Macalé e Moreira da Silva em Vitória, em 1978. Conhecido opositor do regime militar, Macalé resolveu sair do roteiro do espetáculo previamente censurado para cantar uma marchinha de carnaval que debochava do candidato à presidência da República, o mineiro Magalhães Pinto. A marcha Casca de Ovo começa com os seguintes versos: “Será que esse pinto sobe / Será que esse pinto desce / Será que esse pinto murcha / Ou será que esse pinto cresce?”

O show transcorreu normalmente, mas às seis horas da manhã do dia seguinte, três policiais federais invadiram seu quarto no hotel. Macalé já estava na mira da polícia pela militância política. Defendia os Direitos Humanos. Além disso, cismou de cantar a marchinha no show. Ele recorda:

“Às seis da manhã fui acordado em meu quarto por três homens fortes, pareciam armários de 10 de frente por 29 de fundos. Um deles me cutucou e disse: ‘Polícia Federal. O doutor delegado quer falar com o senhor’. Respondi: ‘Tudo bem. Mas não saio sem falar com Moreira da Silva’. Ele disse: ‘Sou fã dele, pode falar’. Logo depois virou para os dois outros policiais e ordenou: ‘Enquanto isso, vamos dar uma geral no quarto’. Pensei: ‘Ai, meu Deus!’. Telefonei para o Moreira, que estava dois andares abaixo do meu: ‘Moreira, os hôme tão no meu quarto’. Moreira abriu um bocejo e respondeu firme: ‘Nos encontramos no saguão’.

Quando desci escoltado pelos policiais, Moreira da Silva já estava nos esperando no saguão do hotel, vestindo seu impecável terno branco, sapato bicolor e chapéu panamá. E disse: ‘Meus filhos, o que está havendo com meu menino?’. O policial: ‘Moreira, sou seu fã. O delegado mandou buscá-lo’. ‘Posso ir com vocês?’, sorriu Moreira. ‘É uma honra’, respondeu o policial. Entramos num pick-up chapa fria e partimos para a Polícia Federal. O policial sabia todo o repertório do Moreira. ‘Você conhece essa?’, perguntou Moreira. E começou a cantar: ‘Pra se topar uma encrenca / basta andar distraído / que ela um dia aparece / não adianta fazer prece / eu vinha de ontem lá da gafieira / com minha nega Cecília / quando gritaram…diz aí!’ E o policial feliz, deu o breque: Olha o Padilha. Não acreditei que estava vivendo aquilo”.

O clima piorou consideravelmente na delegacia, como narra Macalé. “Entramos na sala do delegado e ele perguntou sem nos olhar: ‘Qual de vocês dois é o tal do Macalé?’ Moreira tentou tergiversar: ‘Mas doutor delegado…’ O delegado rosnou: ‘Cala a boca!’ e voltou a perguntar: ‘Qual de vocês dois é o tal do Macalé?’ Moreira, botando o chapéu sobre o peito, olhou pra mim e murmurou baixinho: ‘Acho que desta vez você se fodeu’. O delegado olhou pra mim e disse: ‘Tira o óculos, recolhe o homem e incomunicabilidade com ele. Ficha, tira o retratinho e bota o número em baixo’”.

Avisado do problema, Roberto Parreira lembra que o governador da época, Elcio Álvares,  tentou tirar o músico da cadeia, sem sucesso.  “O próprio governador me ligou e disse que os policias eram federais e que não tinha poder sobre eles. Tive de ligar para o ministro Ney Braga para que ele conseguisse libertá-lo”. Fora das grades, Macalé compôs, então, com Moreira da Silva, o único samba-de-breque da carreira, Tira os Óculos e Recolhe o Homem.

Clique na galeria de áudios para ouvir Moreira da Silva interpretando Na Subida do Morro (Moreira da Silva, Ribeiro Cunha e Geraldo Pereira) e Jards Macalé cantando Poema da Rosa (Bertold Brecht e Jards Macalé), durante a turnê dos dois cantores em 1977.

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