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O pai do Projeto Pixinguinha

Em 2006, Hermínio Bello de Carvalho concedeu entrevista sobre a experiência

Funarte – Em que contexto histórico e político surge o Projeto Pixinguinha? Era uma época em que se discutia a necessidade de fazer circular a música brasileira?

Hermínio – Era uma época em que o mercado era efervescente para alguns poucos. Falo do grande mercado, inclusive o televisivo e o fonográfico. Vivíamos a angústia da ditadura, que já entrava na era da tal distensão lenta e gradual. Tínhamos o Ney Braga no Ministério da Cultura,  com uma postura mais liberal – fazendo contraponto aos severos limites impostos pelo Ministério da Justiça, comandado por Armando Falcão, com o catavento da censura nas mãos. Mas o Projeto Pixinguinha não existiria sem que, antes, o Albino Pinheiro não tivesse tido a ideia do Seis e Meia, que era um projeto de ocupação do horário ocioso que havia na grade de programação do Teatro João Caetano, para que ele fora convidado a dirigir. O escopo ideológico do projeto era dele, a mim coube a estruturação e direção artística. E no meio de tudo isso, eclodiu a expulsão de um número expressivo de colegas nossos dos quadros da Sicam. O motivo? Pediram uma formal prestação de contas – e aí foram colocados no olho da rua. A partir dessa indignação geral, nasceu a  Sociedade Musical Brasileira (Sombrás) – ideia que sempre credito ao Macalé e ao Sérgio Ricardo. Era uma sociedade sem fins lucrativos, que nasceu exatamente a partir daquele ato indecente, e congregou toda a classe artística brasileira. Tenho a honra de dizer  que ela foi formalizada em minha casa. Por consenso, o Tom (Jobim) foi eleito presidente, e eu o vice dele. E nesse verdadeiro exército de Brancaleone, formou-se uma diretoria e um conselho  que arregaçou as mangas e mudou o rumo da história : Mauricio Tapajós, Aldir Blanc, Gonzaguinha, Gutemberg Guarabyra, Vitor Martins, Claudio Guimarães, Chico Buarque foram alguns que logo se agregaram à Sombrás. Em nome dela, apresentamos ao Ministério da Cultura o Projeto Pixinguinha, uma versão ampliada nacionalmente do Seis e Meia.

Funarte – Como foi escolhido o nome do Projeto?

Hermínio – Pixinguinha era o nosso Deus. Quando digo nosso, é porque se há um nome que sempre é lembrado como espécie de matriz da nossa música, é dele que recordamos. E eu havia mudado, no início da década de 70,  para um prédio pequeno, em Botafogo, e logo incitei o Paulinho da Viola a comprar um apartamento nele. A primeira providência foi mexer no estatuto do prédio e mudar seu nome para Pixinguinha, veja só. Estava no ar esse nome. Até porque ele chegou a visitar esse apartamento. Mas acho, pouco  modestamente, que a ideia foi minha. Mas isso não tem a menor importância. Tem é que,  politicamente, o projeto não existiria, caso não fosse apresentado em nome da Sombrás. Havia interesse do governo em tentar fazer uma espécie de cooptção branca da classe artística para a tal distensão que se esboçava. A boçalidade do caso Herzog, os ferrões da ditadura… quem suportava mais aquilo? Mas o certo é que o governo apostava, e bastante, numa suposta ingenuidade e desorganização da classe – não obstante a Marcha dos 100 mil.  Estou misturando tudo num balaio só, para tentar uma concisão que não é meu forte. Mas é necessário dizer que o Ministro Ney Braga fez de interlocutor o Carlos Alberto Direito, que se bem me recordo era o presidente do Conselho Nacional de Direito Autoral, cujas vagas também disputávamos. Para dar um exemplo do fisiologismo do governo, o Roberto Carlos foi nomeado membro do Conselho, e ingenuamente aceitou. Enfim, reduzindo a discussão: nos foi dada uma ridícula verba para iniciar o projeto. Até hoje alimento a certeza de que apostavam na propalada falta de profissionalismo da classe artística,  e que aquela ideia era uma brincadeirinha de alguns utopistas. Podemos dizer que se havia um projeto subterrâneo de cooptação por parte do governo, ele desmoronou. O projeto fez-se vitorioso, ganhando uma força política que impediu qualquer tipo de interferência na sua gestão. E o Roberto Parreira foi uma peça fundamental na sedimentação do projeto.

Funarte – Qual a importância do projeto na formação de plateias para a MPB?

Hermínio – Acho que foi importante sim, porque tinha em seu bojo algumas políticas culturais para mim, hoje, bem definidas: formação de novas plateias através de uma inovação que era a de subsidiar o público, ao invés do empresariado. Ou seja: os ingressos eram baratos,  acessíveis à população de baixa renda; tinha uma  óbvia intenção de abrir o mercado de trabalho para aquele segmento não privilegiado pelo mercado, com  ênfase na diversidade, já que havia um corpo de jurados que, a cada ano, indicava artistas de inegável qualidade artística como, por exemplo, e para ficar num só, o maestro Radamés Gnattali com a nascente Camerata Carioca. Ou seja: apostava-se na inteligência da plateia, e oferecendo-se um cardápio variado, e não aquele jargão imposto pelo mercado: ‘o que você quer comer? feijão, feijão ou feijão?’. Enfim, o Projeto  Pixinguinha, por ser levado em nível nacional, formou sim uma geração de espectadores para a música, a partir de sua implementação.

Funarte – Houve também uma qualificação da estrutura para a música brasileira a partir do Pixinguinha? Há informações de que muitos iluminadores aprenderam a fazer luz de show a partir do ensino de técnicos da Funarte. E dados ainda de que espaços que antes não se abriam para a música popular, como teatros municipais, passaram a receber artistas de samba e choro depois o Pixinguinha.

Hermínio – Seria insensato oferecermos espetáculos de baixa qualidade artística, sob o pretexto de que os ingressos eram baratos. Fazíamos questão de que os espetáculos tivessem um alto nível de profissionalismo: som de primeira, luz operada por técnicos qualificados, espetáculos roteirizados, com diretores e assistentes de direção, além de um gerente de produção que acompanhava o elenco durante toda a excursão. Para se ter uma ideia, a assessoria de imprensa distribuía  cerca de 1.500 releases semanalmente  para todo o Brasil. Havia também cuidado com os resíduos culturais que o projeto gerava: programas impressos com a biografia dos artistas, repertório com os autores, entre outros. E a equipe que precedia os espetáculos tratava de monitorar as produções locais, ajudando-as no que fosse possível. O contato com técnicos especializados fez, acredito eu, que o nível de produção fosse bastante alto, mesmo nos poucos estados e municípios onde alguns teatros estavam descapacitados para atender àquela demanda.  Acho que isso mexeu com o sentimento do público, como queríamos. E o que queríamos? Que ele, pagando (sei lá) oito cruzeiros (ou que moeda corrente fosse na época, não me lembro), saísse do teatro com a sensação de ter pagado 10 vezes mais, tal o gabarito do produto que lhe fora oferecido. Mas nada disso se contrói sozinho. Era um trabalho de equipe, que começava na sede da Funarte, com artistas gráficos, fotógrafos, profissionais de todas as áreas com excelente nível, servindo a uma ideia que tinha como subtítulo ‘um projeto carinhoso’.

Funarte – Como era a relação do Pixinguinha com a censura? Houve o episódio da prisão do Macalé e sabemos que os roteiros tinham de passar pela aprovação do governo. A seleção de artistas era influenciada por pressões políticas? Havia algum artista vetado?

Hermínio – Não havia censura alguma por parte da Funarte. E a presença de Macalé, um artista por natureza contestador e polêmico, é a prova disso. Mesmo na programação interna, quando se insinuou vetar a Rogéria, imediatamente uma reação se fez. O episódio da prisão foi logo contornado. Eu mesmo confesso que já nem me lembro como se deu.  Recordo que a equipe do Roberto Carlos vetou a apresentação do projeto no Teatro Guaíra, porque isso geraria alguns atropelos na montagem do show do cantor. Peguei um avião e fui direto ao hotel onde o Roberto estava, levando a Clementina (de Jesus) a tiracolo. Roberto ignorava o que se passava, e imediatamente convocou sua produção, mandou colocar toda sua aparelhagem de som e luz à nossa disposição e ainda foi ver o espetáculo, quando foi homenageado pelo João Bosco e  Clementina, que eram as figuras centrais do espetáculo do Pixinguinha. Isso mostra, apenas, a importância que o projeto tinha na época, mesmo sendo alvo da ira de uma Elis Regina que, equivocadamente,  entendia que aqueles preços baixos competiam com shows provavelmente não subsidiados, como os dela e de tantos outros artistas que, entretanto, contavam com uma mídia considerável.

Funarte – Conte um pouco sobre a criação da Feira Pixinguinha, Janelas do Pixinguinha e Pixingão. Também foram projetos seus? O que determinou cada um deles?

Hermínio – Esses desdobramentos foram ditados pelo próprio sucesso do projeto, que foi apontando novos rumos e soluções para os chamados artistas regionais, que não conseguiam alcançar o eixo Rio-São Paulo e ficavam restritos aos shows realizados nas periferias. Nessa época o projeto já estava sob outra administração, aliás excelente, e eu já tinha sido então nomeado diretor-adjunto do Instituto Nacional de Música, que o Edino Krieger assumiria brilhantemente. Apenas supervisionava os projetos que foram nascendo na rabeira do Pixinguinha. Hoje seriam chamados de multimídia: o Projeto Lucio Rangel de Monografias gerava um livro que, às vezes, provocava a edição de um disco através do Projeto Almirante, que, por sua vez, provocava um espetáculo musical na Sala Funarte  Sidney Miller, dirigida pelo Érico de Freitas, e o espetáculo era registrado , através de convênio com a TVE (e nos estados,  com outras emissoras televisivas ) e assim por diante. Havia ainda o Projeto Radamés Gnattali, uma espécie de karaokê instrumental, com os melhores músicos da praça executando playbacks para ajudar numa política de estímulo à prática de conjunto, apoiado pelo Projeto de Partituras Airton Barbosa. Todos esses projetos  eram gerados sequencialmente e tinham uma interligação e uma grande diversidade. Por isso a classificação de  multimídia que ganhariam hoje, provavelmente. Mas nada era do tipo ‘a invenção da roda’, mas o aproveitamento de ideias já postas em prática, algumas bem sucedidas, outras não. Projetos como o Palco Sobre Rodas, que era feito por uma secretaria do Rio de Janeiro, por exemplo, serviu de exemplo para o Arthur Moreira Lima sair com seu piano sobre um caminhão adaptado como palco. A isso podemos chamar de reciclamento cultural. Excelente.Volto a dizer: Reinventamos, reformatamos, reciclamos ideias pioneiras de outras pessoas, uma montoeira de anônimos animadores culturais que tiveram os nomes ocultados pelos meios de comunicação, mas que tinham forte presença em suas cidades e que foram o esteio de projetos como o Pixinguinha.

Funarte – O Pixinguinha passou a ser patrocinado pela Petrobras em 1983.  Isso também foi uma novidade? Você participou dessa negociação?

Hermínio – Participei, sim. Acho que a aceitação imediata do projeto pelo público, gerou uma confiança muito grande numa rede de apoios que ele, projeto, precisava para consolidar-se. Essa rede se viabilizava através de convênios com as secretarias estaduais que, por sua vez, tinham a incumbência de procurar teatros que cobrassem até 10% de aluguel,  no máximo, pela cessão de seus palcos, já que o ocupávamos apenas em horários ociosos, o das 18h30. Espetáculos que começavam rigorosamente no horário para não prejudicar as apresentações locais de carreira.  Tinhamos até um slogan, que nem me lembro direito: “ocupar espaços ociosos, sem invadir os já existentes”, algo assim. Apresentado o projeto à Petrobras, ela reconheceu o nível de profissionalismo e correção que imperava. O retorno publicitário que a Petrobras obtinha em termos de publicidade espontânea era um absurdo. Uma agência calculava o quanto valiam aquelas páginas e mais páginas inteiras que o projeto provocava à sua passagem, e isso era mostrado em termos financeiros à patrocinadora. E a partir dali, ela foi apoiando outras iniciativas que tinham a chancela da Funarte, chancela essa que foi pisoteada por vingança pelo Collor quando assumiu a presidência sem o aval da classe artística. Importante: nunca houve um desvio de dinheiro do projeto, que aplicava corretamente as verbas captadas.

Funarte – Foram gravados três discos da Feira Pixinguinha, não? E um da Dóris Monteiro e Lúcio Alves. Este projeto foi ideia sua? Houve outros discos gravados que não tenham sido lançados?

Hermínio – Esse foi um projeto (assim como o Vitrine) levado por Maurício Tapajós à Funarte. Era uma forma de levar para o disco artistas que ainda não tinham sido observados pelo circuito convencional: Zizi Possi, Oswaldo Montenegro, Cláudia Savaget…  Infelizmente, o Projeto Radamés Gnattali, de discos paradidáticos, foi interrompido. A Funarte tem as fitas. Foi um  projeto desenvolvido pelo Roberto Gnattali e pelo Luiz Otávio Braga. Tem um sobre percussão, ainda inédito, que é fantástico.

Funarte –  E os programas de TV? Como eram?

Hermínio – Fizemos convênios com a TVE no Rio de Janeiro, e com  a TV Cultura em São Paulo. Toda a programação era gravada, e depois exibida no circuito.

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